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Entrevistas 23 mai 2025
“É possível promover ações do setor público que mudem a realidade econômica do Nordeste”, afirma o economista Alexandre Rands
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Postado por Conjuntura Econômica
Alexandre Rands Barros, presidente da Datamétrica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Na próxima quinta-feira (29/5), o Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste do FGV IBRE promoverá, no Recife, o seminário “Carta Nordeste: reflexões para uma nova política de desenvolvimento da região”. Será o pontapé inicial de uma série de encontros reunindo especialistas de diversas áreas, em diferentes capitais nordestinas. “O conteúdo desses debates servirá como base para a construção de um documento com propostas a serem encaminhadas, em 2026, aos candidatos aos governos estaduais da região e autoridades”, conta Flavio Ataliba, coordenador do Centro de Estudos.
Conversamos com Alexandre Rands Barros, presidente da Datamétrica, co-organizador do seminário no Recife, sobre os desafios socioeconômicos da região e a expectativa em torno do projeto Carta Nordeste:
Em seus estudos, registrados nos livros Desigualdades Regionais no Brasil (Elsevier, 2011), e Raízes das Desigualdades Regionais do Brasil (Alta Cult, 2019), destaca-se o atraso socioeconômico relativo do Nordeste em relação ao Sul/ Sudeste. O contexto pós-pandemia trouxe mudanças nesse desafio de impulsionar o desenvolvimento nordestino?
Quando observamos as tendências pós-covid, vemos que superar alguns desafios novos, como a aceleração da digitalização da economia, requer tratar de uma deficiência histórica do Nordeste em relação ao Sudeste, que é a educação. A digitalização demanda uma formação educacional maior da população para que possa haver uma maior inserção competitiva.
Isso significa que o desafio de impulsionar o desenvolvimento socioeconômico do Nordeste torna-se ainda maior. Hoje já temos investimentos do Governo Federal na educação para garantir valores mínimos de investimentos por aluno. Mas quando comparamos o montante gasto por aluno em estados com maior arrecadação, como São Paulo, vemos que este é muito maior que esse piso. Claro que é bom que esse gasto aconteça; no caso da educação pública, entretanto, não podemos aceitar a criação de um cidadão “de segunda classe”, pelo fato de ter nascido em um estado mais pobre.
Esse é o primeiro problema a ser enfrentado, que afeta diretamente o desenvolvimento do capital humano, as qualificações de um nordestino. Talvez seja necessário que esses investimentos sejam ainda maiores, para reduzir as disparidades na qualificação da mão de obra. A utilização de IA em larga escala na educação da região pode reduzir um pouco o esforço necessário para não deixar o Nordeste ainda mais para trás.
Dou um exemplo, relacionado a uma atividade no qual a região tem grande potencial: o turismo. Se observar a participação desse setor no PIB da região, ela é menor do que a média nacional, o que é um absurdo. Mas o fato é que não temos a mesma geração de valor na atividade de turismo que a média nacional possui. E isso também passa pela educação.
Vale lembrar que no Nordeste temos ilhas de excelência na gestão do ensino público – vemos isso em Pernambuco, no Ceará, no Piauí. Isso mostra que somos capazes de implementar boas tecnologias de educação. Nosso desafio é disseminar esses bons exemplos, e conciliar de forma eficaz a melhora tanto na disponibilidade de recursos como na qualidade do ensino.
A transição energética é outro tema que emergiu nos últimos anos, e que já tem contribuído para o desenvolvimento regional, pois o Nordeste possui boas oportunidades de investimentos em energia solar e eólica. Os modelos institucionais que definiram a expansão dos investimentos nesses segmentos, contudo, foram distorcidos para proteger as distribuidoras de energia e isso reduziu a rentabilidade dos investimentos nessas fontes alternativas, prejudicando a região. O Governo Federal pode reformar a legislação existente para favorecer os investimentos nas regiões mais pobres do país. Isso tornaria o efeito da transição energética uma fonte potencial de redução das desigualdades regionais.
Em que medida essa agenda depende de um posicionamento federativo? Qual e como persegui-lo?
Todas as políticas mencionadas, mais gastos com educação e mudanças institucionais nas regras que definem os incentivos para investimentos em energias alternativas, são ambas de responsabilidade do governo federal. Para persegui-las é necessária uma maior mobilização dos parlamentares da região, com a preocupação com o desenvolvimento regional. Os nossos parlamentares têm que estar menos empenhados em arrancar benesses imediatas para suas bases eleitorais e terem uma preocupação maior com uma estratégia de desenvolvimento regional.
Como a série de eventos da Carta Nordeste pretende contribuir para essa mudança de status da região no mapa do desenvolvimento socioeconômico brasileiro?
As políticas de desenvolvimento regional atualmente em vigor no Brasil tiveram como base a análise liderada por Celso Furtado em 1959 (“Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste”). Mas essas políticas conduzidas ao longo dos últimos 75 anos foram completamente ineficazes, tanto que o Nordeste se encontra com uma proporção do seu PIB per capita em relação ao do resto do país praticamente igual à que existia em 1960.
Nesse período, a Teoria Econômica do Desenvolvimento mudou bastante, principalmente com a introdução de modelos bem mais complexos de crescimento econômico. Além disso, estamos num período em que a Ciência Econômica volta a apontar a possibilidade de acelerar o desenvolvimento de um país ou região a partir de políticas públicas. Se décadas atrás a ideia dominante era de que era preciso deixar o mercado funcionar, pois isso resolveria nossos problemas, o grande avanço do sistema de monitoramento e avaliação de políticas públicas nos últimos 70 anos, incluindo as de controle, permitiu tornar as políticas mais eficazes.
Por isso, hoje é possível promover ações do setor público que mudem a realidade econômica de uma região com alguma eficácia. Daí a necessidade de se entender a realidade atual do Nordeste, com foco nas causas do atraso e dos potenciais da economia regional, para se definir uma política que possa ter impacto efetivo no desenvolvimento da região. Esse seminário deve ser um primeiro passo para se redefinir a política regional e se começar a efetivamente gerar resultados.
Confira a programação e inscreva-se no Seminário Carta Nordeste: reflexões para uma nova política de desenvolvimento da região.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.